Desde

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21.9.10

A menina que falava frances

Todos os dias ela estava ali, com aqueles olhos enormes e o ouvido sempre atento para tudo aquilo que se propagava no ar. Cabelos longos, muito negros, cilios de boneca, tinha a altura da maioria das pernas que cruzavam a praça. A pele muito branca, o corpo muito magro, sardas nas bochechas, quando queria se fazia misturar aos pombos. Ninguém sabia de onde vinha, para onde ia ou quem eram seus pais, mas o fato de te-la por perto acendia sempre uma centelha dentro daqueles que a circundavam. Cinco, talvez seis, anos, a menina com laço de fita de veludo vermelho nos cabelos e vestido encardido de linho amarelo parecia rimar com os dias cinza e chuvosos de Paris, entretanto, a unica certeza sobre ela era a de que se tratava de uma estrangeira. Vivia da diplomacia: deste um petit four, da senhora de branco um pedaço de baguette, da dono do bar um croissant, da dona do bordel gants de dentelle, do turista americano five dollars... Nao pedia nada, mas também nao refutava. Na porta do Louvre, começou a falar frances. E parecia um milagre, aquela menina mirrada que começava a repetir, primeiro timidamente, depois com desenvoltura, as historias que ouvia daquele lugar magico e de suas obras de arte. Nunca havia passado da porta de entrada, mas podia imaginar todas as cores, todos os desenhos, relevos e mistérios que se escondiam embaixo daquela piramide. Passava horas debruçada sobre os folders e a contar para os outros personagens do seu mundo as historias que inventava, que somadas àquelas que ouvia eram ainda mais fascinantes e bonitas que a relidade. Um dia, um senhor alto de bigode e chapeu, muito distinto em seu terno Gaultier e capa de chuva, ouviu a menina que falava frances. Quis saber mais, mas ela perdeu as palavras. Nao sabia de onde repetir respostas, faltava esse capitulo no seu repertorio. De qualquer modo, ganhou passe livre, podia entrar e sair quando bem entendesse. Ganhou vale no restaurante, conta na cafeteria e passou a viver ali, de dia e de noite. De tanto entrar dentro daquelas telas, de tanto fazer amor com as esculturas, de tanto viajar nos mapas, um dia, assim de repente, tao de repente como começou a falar frances, a menina virou um quadro. Ninguém sentiu sua falta, porque ela continuava ali. E o diretor ficou muito, muito orgulhoso e satisfeito pela aquisiçao de sua mais nova obra de arte.



Um comentário:

Nine disse...

Juli amei essa estoria! Sou a senhora que fala frances ...sera que em novembro viro um quadro do Louvre se eu ficar embaixo das piramides?! bjs