Desde

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13.9.10

Cretina

E quem nunca mentiu para uma amiga que atire a primeira pedra. Existem mentiras saudáveis dependendo do momento e da amiga. Mais do que saudáveis, existem aquelas necessárias. Nossa, seu cabelo ficou lindo! Muito melhor. Nem parece que você engordou. Gente, essa roupa esta otima! Achei ele uma graça... Enfim, foi assim. Ela estava em casa hospedando uma amiga queridissima, daquelas que te faz mil mimos e cozinha coisas maravilhosas. Um dia é uma delicia, uma semana é divertido, um mês pode ser um pandemonio se a mesma amiga está no meio de seu inferno astral e crise de carência afetiva-emocional-profissional concomitante. A amiga não era nem alta, nem baixa. Um pouco acima do peso, com longos cabelos negros encaracolados, sorriso doce, olhos azul-turquesa inimagináveis e seios tamanho e modelo Pamela Anderson GG. Um tipo verdadeiramente particular, neta de um irlandês com uma egipicia, criada meio cigana. Falava inglês, espanhol, francês, italiano, árabe e tupi (Ahn?). Fazia o tipo mulher fatal inocente, daquelas que se insinuam para todos mas quer fazer parecer que na verdade é o alvo e não a caçadora. Todos os homens, por ela e segundo ela, demonstravam algum interesse. O velhinho de mais de oitenta anos da esquina lhe pediu a mão em casamento, o homem maravilhoso em frente a imobiliária lhe estava comendo com os olhos enquanto falava ao celular, o notáio a convidou para sair no meio de uma entrevista de trabalho, o funcionário do supermercado se ofereceu para carregar suas compras até em casa, enfim, so mesmo o homem por quem era apaixonada não lhe respondia sequer uma mensagem de celular. Cozinhava todo o tempo, com ou sem fome, mas não sabia o que era lavar a louça, arrumar a cama ou limpar o banheiro. Ela pouco a pouco se cansava da situação e havia momentos de pensamentos clandestinos desejando que amiga fosse embora ou pelo menos ficasse muda e imovel pelos proximos dias. Nenhum dos dois aconteceu. Foram então convidadas para um jantar na casa de uma outra amiga. Ou melhor, ela foi convidada para o jantar mas era impossivel não estender o convite e colocar a tiracolo e mais novo acessorio: a amiga que usava sempre roupas ou curtissimas, ou justissimas ou decotadissimas. A outra amiga? Puritanissima. Mulheres, quando começam a se preparar para sair, são todas iguais: banho de meia hora, lingerie, secador para cabelo, maquiagem, perfume e... a roupa. A amiga pega então três modelitos nada básicos e pergunta: qual? Ela, como unica saida, escolhe o mais discreto: um vestido curto, mas não tanto decotado, preto com flores vermelhas, que com uma meia calça preta e uma echarpe vermelha resolveria qualquer problema de qualquer um. O de franjas, pelamordedeus, nem pensar. Mas a amiga insistia em um micro-tubinho preto tomara-que-caia. MICRO! TOMARAQUECAIA! PUTAQUEPARIU! E o fato é que nem Gesù Bambino, nem Maomé nem Nossa Senhora de Todas as Coisas removia de sua cabeça a idéia de colocar aquele vestidinho ou de que poderia conhecer o homem da sua vida neste jantar maravilhoso feito para cinco amigas casadas no apartamento de uma delas. Ela, definitivamente sem saber o que fazer, coloca também um vestido preto curtissimo, com uma meia calça preta rendada e um casaco, na esperança de se fazer entender. Sente frio? Frio? Ela riu, jogou o casaco sobre a poltrona, passou um batom bem vermelho, trocou a bota preta por um salto agulha tigrado, mentalizou um inferninho qualquer dos seus vinte, trinta anos e respondeu: Não! Vamos? Dentro dela uma espécie de euforia intima começava a tomar espaço, massacrando contra paredes recalcadas toda espécie de pudor, timidez, vergonha ou comiseração. Naquela noite, as outras amigas acharam melhor não comentar, mas tinha alguma coisa muito estranha no ar.

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