Desde

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8.2.11

Burrinha

Nao consigo entender a confusao que a gente faz no computador tentando organizar as coisas, o fato é que eu nunca consigo encontrar o que eu procuro e sempre encontro uma coisa que nao procurava. Cada click é um flash (de memoria): uma nova surpresa escondida em cada pasta. Devo confessar que na maioria das vezes a surpresa é boa, até porque se fosse ruim nao estaria em uma pasta chamada "Caixinha de Musica" ou "Algodao Doce", mas em uma chamada "Lixeira". Enfim, em uma das minhas "Pastas Encantadas" encontrei uma lembrança muito gostosa. Elogio é sempre bom, mas é duas vezes melhor quando vem de alguém que nao tem o habito de faze-lo, pelo menos nao para voce (e nao é à toa que existe sempre um "mas"). Era a historinha do burrinho Sete-de-Ouros, escrita pelo Flavio Campos, transformada em versos por mim e ilustrada pelo Bruno Campos. Quando reli, me emocionei. No prefacio, estava escrito assim:



A origem deste Burrinho Sete-de-Ouros

A estória deste livro não é original; na verdade, é uma mistura de duas outras estórias. A base principal é um poema de literatura de cordel que meu avô, Ernani Menescal Campos, trouxe com suas memórias de cearense quando veio estudar, no início do século passado, na Escola de Minas de Ouro Preto (circa 1915). Vinte e poucos anos depois ele contava esta estória para o meu pai, ainda em verso. Só que na versão original o protagonista não era um burro, era um cavalo; não tinha nome, era só o “Cavalo Velho”; o cavalo falava, e sua redenção após a prisão dos macacos não foi resultado de um arrependimento espontâneo do dono da fazenda; pelo contrário, o cavalo negociou com o dono da fazenda um acordo: se prendesse os macacos, voltaria a ser bem tratado.

Trinta e tantos anos depois meu pai contou a mim e aos meus irmãos a estória do cavalo velho, que era, de todas as estórias de dormir, a minha preferida; e quando eu, vinte e poucos anos mais tarde (circa 2003), já tinha esgotado todo o repertório das estórias clássicas para fazer minha filha mais velha, Luiza, dormir, me lembrei da estória do cavalo velho e resolvi recontá-la, com algumas adaptações. Assim, transformei o cavalo em burrinho e o batizei Sete-de-Ouros em homenagem explícita ao burrinho pedrês do Guimarães Rosa (primeiro conto do livro Sagarana), na esperança de que a lembrança desta estória um dia anime minhas filhas a ler esta obra-prima da literatura mundial. O resto – o fato do burrinho não falar, o amigo passarinho – foi inventado para preencher lacunas do original em pontos de que eu já não me lembrava mais.

A estória fez um sucesso extraordinário com a Luiza e, depois, também com a Laura. Então resolvi fazer da estória um livrinho (isso foi há uns dois anos atrás) para dar de presente às meninas. Pedi ao meu irmão Bruno, padrinho da Luiza e desenhista genial, que fizesse as ilustrações. Primeiro ele não quis, “faça você, você que é o pai e desenha legal etc.”. Depois aceitou e, como sempre, ficou obcecado pelo projeto. O sujeito ficou um ano só na concepção do burrinho; após milhares de versões e variações, ele finalmente chegou a uma forma definitiva pro bichinho; faltava o texto.

Escrevi o texto em prosa, tal como eu contava a estória para as minhas filhas (meu pai também havia me contado a estória em prosa; os versos originais se foram com meu avô, lamentavelmente). A versão definitiva em prosa contou com a revisão de três autoridades: um dos mais brilhantes comunicólogos de Minas Gerais (Márcio Valle Diniz) e seus filhos Mariana e Adriano, que deram ótimos toques para ajudar a melhorar a construção da estória. Mas o Bruno teve a brilhante idéia de mostrar o texto para a Juliana, professora de português, editora, escritora, que por sua vez teve a idéia ainda mais brilhante de transformar o texto de prosa em verso.

O texto em verso ficou maravilhoso, mas por um excessivo respeito às palavras da versão original em prosa, que ela preservou, incrivelmente, na sua quase totalidade, algumas passagens não ficaram totalmente equilibradas em termos, não diria de métrica, mas de ritmo, por assim dizer. Assim, fiz ajustes aqui e ali, sem o pudor que a Juiliana teve, para ajustar o ritmo à leitura oral, que, pelo menos para com a Laura, vai continuar a ser a única forma dela curtir este livro nos próximos dois anos.

Então é isso: no final das contas, são autores deste livro: Anônimo(s) Cearense(s) e Mestre(s) de Cordel, Ernani Menescal Campos, João Guimarães Rosa (à revelia), Roberto Augusto Barbosa Campos, Flávio de Mendonça Campos e Juliana Ferreira; revisores, Márcio, Mariana e Adriano Diniz.  Mas as ilustrações são do Bruno.

Para Luiza e Laura.
Belo Horizonte,  2005.

2 comentários:

Nine disse...

July ,toda a estoria é emocionante ,desde o avô que trouxe na memoria a estória do Ceara ,ate as razões ,a prosa transformada em versos...Não conhecia esse seu lado de poeta nas letras ,só na cozinha...baci

Juliana Ferreira disse...

Depois coloco uns versinhos do Burrinho por aqui... Mas eu fiquei emocionada de verdade. Tao gostoso!